Como sabemos a Comunicação Não-Violenta não é apenas uma metodologia de comunicação para transformar conflitos, ela é uma consciência e uma intenção de uma validação para aquilo que é importante para cada ser humano. Assim, as minhas necessidades de pertencimento, apoio, respeito e sentido são tão importantes como as suas necessidades de espaço, sentido, clareza e segurança. No diálogo empático, honesto e respeitoso, vamos buscar um caminho para que as minhas e as suas necessidades fiquem atendidas.
Para que esse diálogo aconteça e produza essa conexão é que o embasamos na empatia, auto empatia e autenticidade. Entendo Empatia por um movimento de olhar para a experiência do outro a partir do universo dele. É oferecer presença na escuta, não para concordar ou discordar, nem para buscar soluções ou aconselhar, mas sim para compreender os sentimentos e necessidades do outro. É uma habilidade, que pode ser desenvolvida, de compreender o significado da experiência que uma outra pessoa está vivenciando e legitimar essa experiência. Demanda um aquietar de nossas conversas internas, prontas, condicionadas, para abrirmos o espaço curioso e interessado da escuta do outro. Numa metáfora, é entrar dentro da casa da pessoa que estamos ouvindo, olhar o que ela tem na pendurado na parede, como ela arruma sua sala, o que ela come, qual é sua tradição religiosa, que músicas ela ouve, qual sua cultura familiar, quais são suas experiências, crenças, realidades. E daí, quando conhecemos mais do mundo de dentro dessa pessoa fica mais fácil a compreendermos e validarmos seus sentimentos e necessidades. E também, fica muito provável que a conexão entre as pessoas flua a contento. Auto empatia ou autocompaixão, de onde vejo, é a capacidade, que também pode ser desenvolvida, de oferecermos apoio e suporte para nós mesmos, antes de qualquer julgamento ou avaliação. É validarmos nossa experiência a nível dos sentimentos que estamos convivendo e das necessidades que eles indicam que estão querendo ser atendidas. É um ato de gentileza e de amizade internos. Faz um contraponto com hábitos de cobrança e exigência ou de ideal de eu – o narcisismo, que nos momentos de dor e fracasso não nos apoiam. Se a experiência do viver é, muitas vezes, difícil para cada um de nós, fazer nascer esse amigo interno e gentil para nos ajudar, pode cuidar de seguirmos apoiados internamente nos momentos difíceis da vida. Autenticidade, do meu ponto de vista, é uma expressão daquilo que é verdadeiro e legítimo em nós. Tem a ver com a nossa constituição humana, que podemos acessar e aceitar. Está relacionada com o reconhecimento de que somos ao mesmo tempo construtivos e destrutivos, bons e nem tanto. A minha honestidade e autenticidade abre espaço para minha singularidade, embora mantendo minha conexão com o humano em todos nós. Gandhi associou a verdade (Satya) com firmeza (Agraha), pois entendia que a expressão da nossa verdade essencial e clara demanda uma atitude firme e constante e também um trabalho individual de autoconsciência que praticamos por toda a vida. Seu movimento de libertação da Índia do domínio da Inglaterra ficou conhecido como a “Força da Alma”, Satyagraha. A autenticidade pode ser cuidadosa e respeitosa, é uma força corajosa e não-violenta que trazemos na nossa comunicação, para falar do que sentimos e necessitamos. Por Lucia Nabão Psicóloga, Mediadora de Conflitos e Facilitadora de Processos em Comunicação Não-Violenta
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Para a Revista Zumm
Revista Zumm: O que é a Comunicação Não Violenta? Lucia: A Comunicação Não-Violenta (CNV) foi criada por um psicólogo americano, Marshall Rosemberg, que vivenciou em sua infância lutas sangrentas entre gangues baseadas em racismo e um forte preconceito religioso, em Detroit, onde morava. Ao mesmo tempo, convivia com familiares muito generosos e compassivos, que apoiavam toda a comunidade. A partir dessa realidade, Rosemberg começou a se questionar o que tornava alguns seres humanos destrutivos e outros compassivos e amorosos. Cresceu e foi cursar Psicologia, estudou as Religiões Comparadas, conheceu a Pedagogia de Paulo Freire e depois as ideias de Mahatma Gandhi. Foi muito inspirado pelo conceito de Ahimsa, a não-violência, de Gandhi que considera que o ser humano é internamente violento e compassivo ao mesmo tempo e que necessita de um reconhecimento e um esforço de transformação interior para se expressar de maneira amorosa e compassiva para com os outros seres humanos e consigo mesmo. Encontrou também em sua pesquisa, que todos temos em nossas mentes um hábito arraigado de produzir julgamentos moralizadores e críticos, talvez uma herança de nossos ancestrais primitivos, que precisavam da avaliação e do julgamento para sua sobrevivência diante das intempéries que ameaçavam-lhes a vida. Mas, que é justamente esse padrão de produzir julgamentos condenatórios e rígidos que nos desconecta do outro ser humano que estamos em relação. A CNV enquanto uma metodologia conversacional busca transcender o paradigma de julgamentos e críticas para se conectar com as necessidades humanas e universais que existem por trás de cada comportamento ou expressão humana. E, quando falamos em necessidades humanas universais, estamos no cerne da CNV. Todos os seres humanos necessitam das mesmas coisas para se sentirem satisfeitos, em qualquer cultura, no mundo todo. Se perguntamos para as pessoas o que tornaria sua vida melhor, o que faria de nossa convivência algo mais humano, todas vão responder: respeito, compreensão, amor, paz, segurança, pertencimento, alegria, descanso, expressão, autonomia, aceitação, etc. Assim, podemos afirmar que a CNV é uma prática de humanização. Ela nos reconecta com o humano que há em nós e no outro, olha para o que nos une, o que nos torna parecidos essencialmente. Trabalha com base na escuta empática, expressão autêntica e autocompaixão. É um processo de autoconsciência e autotransformação verdadeira, para então produzir conversas que estabeleçam uma conexão profunda com o outro. Revista Zumm: O que ela muda em nossas relações de trabalho e sociais, de forma geral? Lucia: A mudança que a pratica da CNV produz é a possibilidade de nos relacionarmos não pelo foco da crítica ou do certo e errado, melhor ou pior, e sim pela conexão com as necessidades. Diante de um conflito pessoal ou no trabalho, ao invés de irmos para o terreno da competição pelo poder, buscamos conhecer quais são as necessidades que não estão atendidas. A partir disso, ficamos aptos a produzir acordos, que atendam parcialmente os dois lados em questão. Por exemplo, numa família, quando um filho tem um comportamento violento e cruel com os colegas. Quais são as necessidades deste filho que não estão atendidas? Será que ele está precisando de mais expressão de sua diversidade, autonomia, autenticidade? E as necessidades dos pais? Promover segurança, harmonia, respeito, na família? Quais acordos poderão atender ambos os lados, mesmo que parcialmente? Talvez abrir mais espaço de autonomia para esse filho, reconhecer sua individualidade e respeitar suas diferenças com algumas orientações feita pelos pais para sua proteção. A busca é pela composição e pelo entendimento democrático de que todas as necessidades, dos pais e do filho, são igualmente importantes e todos podem ter voz. Revista Zumm: Quais os traços que podem ser interpretados como uma Comunicação Violenta? Lucia: Nessa abordagem, discriminamos Violência, Não-Violência e Passividade. A Violência é aquilo que submete a pessoa a uma situação cruel e lhe retira os seus direitos. As formas autocratas de dominação por dinheiro, por território, por religião, pela força física geram violência. Violência tem a ver com exclusão. E quanto mais nossa sociedade cria grupos de exclusão, mais violenta fica. A Passividade tem relação com aquela posição de que se eu não estou fazendo mal, não estou colaborando para a violência. Não há implicação do sujeito com a história que está sendo coletivamente produzida. E ainda, há um pensamento comum de que “alguém vai dar um jeito nesse caos que estamos vivendo”. A Não-Violência é ativa. Eu entro no conflito para transformá-lo, digo “não” a usurpação dos direitos e necessidades humanos. A forma como faço isso é compassiva, é humanizada. Gandhi e outros pacifistas usaram da resistência pacífica e da desobediência civil para lutar contra as injustiças e obter dignidade para todos. No paradigma da CNV eu me empodero de meus direitos, os direitos de ter minhas necessidades humanas universais atendidas. A Não-Violência quer conjugar a justiça, a liberdade, a dignidade. Então, a Comunicação Violenta é aquela que não leva em conta que todos os seres humanos são muito parecidos e precisam ter suas necessidades atendidas. Ela ocorre quando um dos protagonistas exerce sobre o outro uma ameaça de exclusão, de eliminação e de morte. Na violência o ser humano passa a ser um objeto. Por isso, a violência nunca é justa. Revista Zumm: Existe idade para começar a trabalha a CNV? É possível/indicado começar a trabalhar a CNV já dentro de casa? Lucia: As relações baseadas num paradigma de corresponsabilização e cocriação nos empoderam e determinam o nosso engajamento na sociedade que queremos criar para viver. Assim, seria útil que essa nova maneira de estar no mundo, fosse apresentada desde cedo para todas as pessoas. Pais, professores, médicos, psicólogos, coachs, líderes em todos as áreas, ao se conectarem com essa nova metodologia conversacional compassiva, baseada em olhar para as necessidades do outro e não para o que está certo ou errado, podem contribuir para fazer emergir um futuro onde as trocas relacionais serão (re)humanizadas. Revista Zumm: Qual o caminho para fazermos essa troca, da comunicação imposta para a comunicação que estabelece as conexões? Lucia: É um caminho de muitas ressignificações daquilo que introjetamos culturalmente e de novos aprendizados, a partir de profundas reflexões e de prática. É como aprender a viver num outro país, com uma língua diferente, outra cultura e diferente modo de expressão. É uma nova linguagem, ela valoriza a compreensão do lugar de fala de cada pessoa. Aos poucos, com apoio de profissionais habilitados e uma forte intenção pessoal, vamos apreendendo. Existem cursos que apresentam a CNV, oferecem reflexões e exercícios. E ainda, os Grupos de Estudo e Prática, para continuar a investigação dessa rica abordagem. Por Lucia Nabão Psicóloga, Mediadora de Conflitos e Facilitadora de Processos em Comunicação Não-Violenta |
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