Dia desses andando de Metrô, fiquei observando admirada aquela enorme quantidade de gente entre os sobes e desces das escadas rolantes, era muita diversidade. Pensei que apesar de termos similaridades como seres humanos, nós somos todos muito diferentes, seja em personalidade, características físicas, comportamentais, culturais, são muitas as variáveis que nos tornam seres incrivelmente únicos e especiais.
Mas será que em nosso dia-a-dia cultivamos e valorizamos essas nossas particularidades? Será que temos a coragem de assumir quem somos em meio à multidão? Ser a gente mesmo, numa sociedade que nos motiva a acreditar que não temos e não somos o suficiente, tentando nos vender o tempo inteiro receitas e padrões de perfeição e felicidade, me parece um desafio e tanto. A correria do dia-a-dia e nossa rotina repleta de afazeres e compromissos também pode nos levar ao esquecimento de quem somos e do que é importante para nós. Condicionados a procurar a felicidade fora, nossa referência do que é importante pode passar a ser a vida dos outros e caímos na grande armadilha de nos compararmos em busca de definição do que é certo ou errado. Curiosa por compreender um pouco mais sobre esse comportamento tão humano fui buscar por teorias que explicassem porque nos comparamos uns aos outros. Uma das primeiras explicações que encontrei foi desenvolvida pelo psicólogo americano Leon Festinger (1919-1989), chamada Teoria da Comparação Social. Festinger propõe que em todas as pessoas existe uma tendência para avaliar suas próprias opiniões e aptidões pessoais, porém por se tratar de algo subjetivo, pois não existe uma métrica ou um meio objetivo e prático de se fazer essa avaliação, acabamos por usar a opinião e aptidão dos outros como forma de comparação. Esse tipo de comportamento se fundamenta na obediência a hábitos e padrões de comportamentos impostos pela sociedade que nos leva a pensar: “Se eu me adequar, for correto e fizer tudo perfeitamente serei aceito, reconhecido e amado”. Essa tendência em nos compararmos cria em nós uma ilusão de que somos superiores ou inferiores e as mídias sociais também potencializam esse tipo de pensamento nos levando a crer que um mundo ideal é possível. O Prof. Pedro Calabrez, Ph.D em Psiquiatria e Psicologia Médica pelo Laboratório de Neurociências Clínicas da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, explica: “essa tendência que nós seres humanos temos de nos comparar a outras pessoas é algo milenar e tem raízes biológicas. O ser humano é a espécie mais social da natureza e não é à toa que a maioria de nossos pensamentos seja sobre outras pessoas. Nosso cérebro é biologicamente social, o que significa que nós somos programados para viver em grupo e pensar sobre os outros”. “Diferente dos outros filhotes o bebê humano nasce extremamente frágil e depende dos outros por mais tempo para garantir sua sobrevivência. Sua necessidade básica quando nasce é de que exista alguém que cuide dele. Isso significa que dependemos de outros seres humanos para sobreviver e não é à toa que a principal variável para a felicidade humana seja a qualidade das nossas relações. Isso é uma prova cabal de que temos um cérebro social”. Portanto, pensar sobre os outros não é algo que surgiu com a modernidade, mas dor e sofrimento podem surgir quando esses pensamentos sobre outros são para nos compararmos a eles. Talvez inconscientemente esse tipo de pensamento nos leve a acreditar que “se eu for o que outro quer que eu seja” ou “se eu for como a maioria das pessoas” isso satisfará minhas necessidades de pertencimento, inclusão, reconhecimento e amor, sendo que pra isso acontecer preciso me “encaixar” no que é comum e aceito pela maioria ou pelo grupo que quero pertencer. Isso está tão profundamente interiorizado em nossas crenças, que reproduzimos esse tipo de pensamento o tempo inteiro, seja com a gente mesmo, ao nos culparmos por não sermos o que deveríamos ser, ou culpando os outros por não serem como gostaríamos que fossem. Para sairmos desse impasse, a não-violência nos oferece uma alternativa, deixarmos de consultar instâncias exteriores para saber o que é certo ou errado e entrarmos em contato com a nossa vulnerabilidade, desistindo de sermos perfeitos e começando o trabalho de sermos nós mesmos, nos responsabilizando pelo que precisamos e queremos. Vamos entender que só é possível comparar coisas padronizáveis e seres humanos não são coisas. Os outros poderão nos servir como inspiração e admiração, nunca como comparação. Portanto o perfeccionismo é focado nos outros, já a autenticidade é focada em nós mesmos. O perfeccionismo tem a ver com a nossa percepção e com as histórias idealizadas que nos contamos. A comparação é uma forma de julgamento que só revela a aparência e nunca a realidade e a complexidade que é a vida de cada um. A nossa medida de comparação deixará de ser o outro quando usarmos nossos próprios sentimentos e necessidades como referência. Então nosso foco de atenção e energia passa a estar sobre o que está sob nosso controle, ou seja, nós mesmos. Desse modo passamos a exercitar a autonomia e a responsabilidade por nossas escolhas. Quando consigo me aceitar do jeito que sou, me tratando com mais respeito e gentileza, reconhecendo meus talentos, limitações e toda minha complexidade, exercito a autocompaixão. Assim a vida ganha mais leveza e passo a encarar cada passo como uma oportunidade de me experimentar em algo novo e aprender com isso. Por Cristiane de Paula
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O dia 18 de julho, data do nascimento de Nelson Mandela, foi escolhido pela ONU para homenageá-lo, criando o Dia Internacional Nelson Mandela, sendo ele o único a quem essa Organização concedeu essa honraria. Ele é uma das pessoas mais premiadas e homenageadas do mundo, colecionando 695 prêmios, sendo um deles o Prêmio Nobel da Paz de 1993, por sua dedicação e esforço para terminar com a segregação racial e por sua luta pelos princípios democráticos e de igualdade para a África do Sul – seu país.
Exemplo de coragem, determinação, ousadia, obstinação e luta incessante até conseguir seu intento que era o fim do apartheid – regime de segregação racial. Durante esse regime vigente na África do Sul por 46 anos (1948-1994), era proibido o casamento inter-racial, havendo obrigatoriedade do registro da raça nas certidões. Além disso, os negros eram confinados em regiões e bairros, havendo escolas, hospitais, transporte, etc. em separado para eles. Mandela, também conhecido como Mandiba, tinha vários apelidos, como Dalibhunga, que ele ganhou aos 16 anos dado o seu perfil que já se delineava, pois esta palavra significa criador da conciliação e do diálogo. Muitos episódios em sua vida confirmam esse seu perfil. Eis alguns deles: Em 1990, depois de 26 anos de prisão, ele foi libertado por decisão do presidente da África do Sul, Frederik de Klerk. Ao sair da prisão, ele fez um discurso chamando o país para a reconciliação. Seu espírito conciliador e aberto ao diálogo também ficou evidente quando, em 1993, ele e o presidente de Klerk assinaram uma nova Constituição sul-africana, que teve como valores norteadores igualdade, liberdade, democracia, justiça e respeito, pondo fim a mais de 300 anos de dominação política da minoria branca, preparando a África do Sul para um regime de democracia multirracial. Sua tendência à negociação foi demonstrada durante os 26 anos em que ficou preso, quando ele negociou muitas vezes a sua liberdade e a de todos os presos políticos. O fato de sempre estar disposto a negociar, apesar de sofrer a violência de estar preso, indica sua obstinação pela conciliação e pelo diálogo. Entretanto, nem sempre o acordo era possível, mas ele não desistia de negociar. Ele se recusava a sair da prisão sempre que a concessão de soltura era dada apenas para ele e não para os demais presos políticos. Esse é um outro traço de seu caráter – a lealdade. Entretanto, nem sempre foi possível para ele negociar e usar a não-violência que ele tanto prezava e admirava em Gandhi, no qual se inspirou. Houve momentos em que teve que lutar com as mesmas armas violentas de seus algozes, uma vez que a não-violência pressupõe uma via de duas mãos à qual nem sempre ambos os lados estão dispostos a usar. Porém, apesar desses momentos, Mandela conseguiu manter seu caráter íntegro demonstrado em sua forma de agir e encarar as dificuldades que foram muitas em sua vida. E para finalizar esse breve panorama que demonstra o perfil e o caráter de Mandela relatamos aqui sua instigante iniciativa ao assumir a presidência da África do Sul. Notando uma distância considerável entre brancos e negros, ele decidiu apoiar a seleção sul-africana de rúgbi composta apenas por jogadores brancos. Seu apoio chegou ao ponto de vestir a camisa da seleção. Seu exemplo inspirou muitos negros no país a apoiarem também essa seleção, e com isso mudar a forma como brancos e negros se relacionavam. Por Rosane Schikmann – Coach e Mediadora de Conflitos Às vezes, quando estou passando por algum evento desafiador na minha vida ou nos meus relacionamentos, a imagem que me vem à mente é que estou bordando um daqueles bordados de ponto cruz, onde vou ponto a ponto vendo como está ficando o desenho do lado direito, e ao mesmo tempo, me preocupo com o avesso, pois quero que fique caprichado nos dois lados. Uma arte, não é mesmo?
Tenho cuidado de viver meus desafios extraindo sentidos que me enriqueçam e me tragam sabedoria. Tenho procurado cultivar a auto empatia. Aqui estão alguns recursos que fui aprendendo com a prática da Comunicação Não-Violenta comigo mesma, com abordagens como a mediação de conflitos e algumas práticas espiritualistas que trazem a compassividade como tema.
Outra coisa que para mim é importante é o que chamo de auto responsabilidade. Por isso o capricho no bordado, ele representa na minha metáfora mental, que quero cuidar do meu processo interno com acolhimento e empatia e quero cuidar também de minha interação respeitosa e cuidadosa com o que está ao meu redor. Não estou dizendo que sempre consigo que meu bordado fique harmonioso, mas digo aqui que esta é a minha intenção e que tem relação com meus valores humanos. Busco esse caminho, pois para mim esse é o sentido do amor como atitude. Sigo olhando para meu bordado, de um lado e de outro, direito e avesso, com cuidado, procurando cultivar a calma, fazer processo, para que o resultado me agrade e eu atenda minha necessidade de auto realização, satisfação e aprendizado e desta forma eu possa contribuir com o melhor de mim para a comunidade. Por Lucia Nabão Psicóloga, Mediadora de Conflitos e Facilitadora de Processos em Comunicação Não-Violenta Gandhi foi um líder político e espiritual, reunindo em sua liderança aspectos pragmáticos de expressão embasados numa filosofia ética e humanizadora, que incluía a todos.
Falava em ahimsa, a não-violência, que parte da premissa de que todos os seres vivos têm uma centelha da energia espiritual divina; consequentemente, ferir alguém é ferir a si próprio. Dizia: “Toda a humanidade é uma grande família.” O preceito de “não causar dano” do ahimsa inclui intenção, palavras e pensamentos do praticante. Difere de passividade, pois busca obter ações justas para todos, por meio da resistência pacífica que Gandhi praticava fazendo jejum e da desobediência civil, como os movimentos que ele liderou e convidou a população a aderir, tais como marcha do sal e fiar os próprios tecidos. Ahimsa, a não-violência, é a não aceitação de sistemas que privilegiam alguns em detrimento de outros, que por sua vez, são feridos, excluídos ou humilhados. Seu movimento para a Independência da Índia recebeu o nome de Satyagraha, junção das palavras satya – verdade com agraha – força. Este termo ficou conhecido como “Força da alma”. Gandhi acreditava que não haveria a expressão da não-violência sem o reconhecimento de que cada um de nós tem aspectos intrínsecos violentos. Para praticar o ahimsa, precisamos antes, conhecer, integrar e transformar nossa própria violência. Isso está relacionado com o conceito de verdade. Marshall Rosenberg, o sintetizador da Comunicação Não-Violenta, após buscar em fontes como a sociologia e a psicologia, encontra inspiração para sua abordagem na prática da não-violência de Gandhi. Ele disse: “Somos perigosos quando não estamos conscientes da nossa responsabilidade pelo modo como nos comportamos, pensamos e sentimos.” Na sua trajetória, Marshall Rosenberg cria um pressuposto que conversa com os vivenciados por Gandhi quando traz as necessidades humanas e universais, como aquilo que todos os seres humanos têm em comum e buscam atender o tempo todo, como: pertencimento, apoio, clareza, amor, sentido, respeito, reconhecimento, etc. Em Gandhi, temos o conceito de centelha da energia espiritual divina: “Toda a humanidade é uma grande família.” Em Marshall, o conceito central são as necessidades humanas e universais, presentes em todas as pessoas de todas as culturas. É a nossa força de vida: “Toda violência é uma expressão trágica de uma necessidade não atendida.” Isto quer dizer que sempre que agimos de maneira a magoar ou machucar alguém, estamos tentando satisfazer alguma necessidade, mas não sabemos bem qual é esta necessidade e nem como fazer isto. Praticar a cultura da não-violência, talvez seja, aprender o caminho de uma expressão honesta e ainda assim, empática e compassiva. E ainda, manter viva a intencionalidade de colaborar para que todos nós tenhamos nossas necessidades atendidas. O que mais esses grandes humanistas e pacifistas tinham em comum?
Que tal nos inspirarmos nessas grandes almas e nós também nos empenharmos para construir o mundo que gostaríamos de estar vivendo, com responsabilidade e comprometimento uns com os outros? Por Lucia Nabão Psicóloga, Mediadora de Conflitos e Facilitadora de Processos em Comunicação Não-Violenta |
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